sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Estamira

      Uma vida de maus tratos, humilhações, perdas irreparáveis, levou uma mulher a viver sua esquizofrenia em um lixão no Rio de Janeiro, capital da beleza, do turismo, de poetas, compositores e políticos.
      Sessenta e três anos, molestada pelo avô quando criança, viveu em bordel, lugar também onde encontrou seu companheiro, levou uma vida de traições por ele, viu a mãe ser internada em manicômio, estuprada foi.
      Em sua loucura ela fala verdades incontestáveis, enxerga o que muitos não conseguem, diz que o “além vai muito mais além”, diante disso, nos sentimos um tanto ignorantes.  Será que sabemos o suficiente para vivermos em uma sociedade? Frente a história dessa mulher, a  idéia do mundo de fantasias se intensifica.
      São milhares, o mundo está repleto de Estamiras, em Chapecó existe um, que, ao contrário dela, não tem nem barraco para morar.  Ele tem um cachorro, que parece guiá-lo, nos alivia  vê-lo com o cão, nos faz crer ser mais um grande amigo do que um simples animal, já que ele não é de estimação, ele é mais que isso, é seu seguro, o único que parece compreendê-lo, o único que não o vê com tristeza. Não desprezando o sofrimento de ninguém, não sofremos mais ou menos que os outros, todos temos misérias e alegrias.
      O problema é quando temos que conviver ou nos depararmos com pessoas que acreditam que miséria é pobreza de bens materiais, de grau escolar, quando a miséria mais triste, e de difícil cura, é aquela que carregamos em nosso intimo. Todos temos nossas misérias, e elas se manifestam, geralmente, na oportunidade de ajudarmos o próximo e não o fazermos, quando julgamos sem antes nos julgarmos, quando ostentamos (principalmente quando nada temos). Essa miséria é triste, mais triste é acharmos que somos livres dela.
      Estamira é a realidade cruel de uma civilização criada para o “ter”, “ser”, essa sociedade não olha, é educada a não se importar, a rejeitar a ferida latente distribuída em pontos “afastados” ou “escondidos”, nas cidades e nos campos. O modelo econômico afasta suas mazelas, sucumbe os loucos em seus noticiários banalizados, manipulados. Quando entre tantos filmes exibidos nas grandes redes televisivas foi ao ar documentários como o de Estamira?  Quando a população em geral teve a oportunidade de enxergar o que realmente se passa com os “loucos” dos lixões, das minas carvoeiras, dos becos, das tribos indígenas hoje rejeitadas e ainda humilhadas por uma colonização de exploração?  A forma em sua maioria incorreta de tratar as feridas (incorreta pois banaliza) é não dar tempo para  reflexão, não há reflexão, o que há é logo após um retrato  de pobreza, ou morte, uma cena de futebol, um recorte da novela, um novo carro, e assim, sem mais nem menos, nada se afirma sobre os fatos tocantes e carentes, carentes de atenção, eles se perdem em meio ao mundo de fantasias. Perdemos o senso critico, a massa é levada como onda do mar, para um lado e outro, sem se dar conta de que muitos vivem o mundo de Estamira.
Cris Predebon Welter.

Um comentário:

  1. Belo texto. Vc é ótima em redigir. Se eu tivesse uma melhor amiga com esse dom, seria orgulhosa!!! hehehe

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